A mulher fora do lar: literatura de autoria feminina


Nisia Floresta

"(…) uma mulher precisa ter dinheiro e um teto todo seu, um espaço próprio, se quiser escrever ficção." (Vírginia Woolf)

         Ao observarmos a história da literatura, percebemos que as grandes obras são, geralmente, escritas por homens. Isso não aconteceu pelo fato de as mulheres terem menos condições intelectuais para escrever ficção, é claro, mas sim, pelo contexto social, político e cultural ao qual nossa sociedade se desenvolveu. No patriarcado, a mulher foi historicamente condicionada à esfera do lar e às ocupações da vida privada: cuidar da casa, do marido e dos filhos. O trabalho intelectual e criativo era essencialmente masculino e a mulher que ousasse ampliar seus horizontes de atuação era vista como uma transgressora: uma mulher ruim, que não desempenhava satisfatoriamente seu papel social. 

     A produção literária de autoria feminina, publicada à medida que se dá à mulher o direito de falar, surge com o objetivo de proporcionar um olhar diferente, se posicionando a partir de outras perspectivas sociais, mais especificamente, de identidades femininas antipatriarcais. 

    Nísia Floresta No século XIX, as mulheres reivindicavam o direito básico à educação, pois este era reservado somente aos homens. Acredita-se, portanto, que, neste momento, as primeiras mulheres escritoras eram feministas, visto que o simples desejo de sair do espaço doméstico já indicava um ideal subversivo. 

   Nesta época, Nísia Floresta se destacou ao lançar Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens (1832), escrevendo sobre o direito das mulheres à instrução e ao trabalho. A autora defendia a ideia de que somente o acesso à educação permitiria às mulheres tomarem consciência da sua condição inferiorizada. De acordo com Nísia Floresta: 

Se cada homem, em particular, fosse obrigado a declarar o que sente a respeito de nosso sexo, encontraríamos todos de acordo em dizer que nós nascemos para seu uso, que não somos próprias senão para procriar e nutrir nossos filhos na infância, reger uma casa, servir, obedecer e aprazer aos nossos amos, isto é, a eles homens. (FLORESTA, p. 35)

    O direito ao voto, ao ingresso à universidade e ao trabalho remunerado são as maiores reivindicações das mulheres do início do século XX. Na década de 20, o movimento feminista conquistou maior notoriedade e Bertha Lutz se destacou através de seus artigos, debates e ao lançar o Manifesto Feminista ou Declaração dos Direitos da Mulher, o qual exigia o direito à igualdade social. No âmbito literário, Rosalina Coelho Lisboa conquistou o primeiro prêmio no concurso literário da Academia Brasileira de Letras com o livro Rito Pagão e outras escritoras, como Gilka Machado e Mariana Coelho tiveram notoriedade ao publicarem Meu Glorioso Pecado e A Evolução do Feminismo: Subsídios para sua História, respectivamente.        

    Na literatura brasileira, a escritora Rachel de Queiroz teve papel fundamental ao contribuir no processo de emancipação feminina. Em suas obras, as personagens representavam vários aspectos da condição feminina e, por apresentar uma crítica consistente sobre os problemas sociais, causou estranhamento, pois muitos duvidaram que uma mulher fosse capaz de escrever com tamanha propriedade. Quando a mulher escrevia, esperava-se que fosse uma produção essencialmente subjetiva e não apontasse problemáticas de cunho social. Por que aí já é de mais, não é mesmo? O escritor Graciliano Ramos confessou: 

O quinze caiu de repente ali por meados de 1930 e fez nos espíritos estragos maiores que o romance de José Américo, por ser livro de mulher e, o que na verdade causava assombro, de mulher nova. Seria realmente mulher? Não acreditei. Lido o volume e visto o retrato no jornal, balancei a cabeça: Não há ninguém com esse nome. É pilhéria. Uma garota assim fazer romance! Deve ser pseudônimo de sujeito barbado. Depois, conheci João Miguel e conheci Rachel de Queirós, mas ficou-me durante muito tempo a ideia idiota de que ela era homem, tão forte estava em mim o preconceito que excluía as mulheres da literatura. Se a moça fizesse discursos e sonetos, muito bem. Mas escrever João Miguel e O Quinze não me parecia natural. (RAMOS, 1980 – p. 137)

    Os anos 70 marcaram o movimento feminista com a criação do Ano Internacional das Mulheres, em 1975, e o Dia Internacional da Mulher, em 8 de março. No Brasil, as mulheres reivindicavam contra a discriminação e desigualdade social, além, obviamente, contra a ditadura militar. 

    Na literatura, as escritoras enfrentaram a ditadura, elaborando o Manifesto dos 1000 Contra a Censura e pela Democracia. Redigido por Nélida Piñon, o manifesto contou com a assinatura de muitos escritores, como Lygia Fagundes Telles, Hilda Hilst, Lya Luft, entre outros. Neste período, muitas escritoras se destacaram ao proporcionarem, em seus textos, reflexões acerca do papel da mulher na sociedade, problematizando a desigualdade evidente entre os gêneros. A partir dos anos 90, houve maior assimilação das reivindicações femininas e estas foram integradas ao cotidiano. Atualmente, alguns acreditam que vivemos em uma época “pós-feminista”, pois acreditam que todas as reivindicações foram atendidas. Entretanto, mesmo entendendo que houve uma evolução significativa na sociedade em relação à mulher, não cabe, ainda, empregar o prefixo “pós”, visto que a sociedade patriarcal resiste em meio ao "progresso". 

  A partir de amanhã vamos conhecer algumas escritoras brasileiras. #LeiaMulheres 

 

Referências

PRIORE, Mary Del (org.). História das Mulheres no Brasil. 5ª edição. São Paulo: Contexto, 2001.

RAMOS, Graciliano. Linhas Tortas. São Paulo: Record, 1980.

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